domingo, 30 de novembro de 2014

DES-TINO




Todo dia o pacote. Receita e mapa para ser feliz. Em imagens para que absorva melhor. O caminho é este, nos dizem. Mas há confusão. Às vezes, passa-se a vida como se soubesse o caminho certo; ou finge que o encontrou. Está no pacote, o fingimento por sobrevivência na grande selva. Caberia um livro. A arte de Fingir. Quando passamos na rua colhemos dos passos as cabeças rodopiando buscando significados do conteúdo entregue no pacote diário. No escritório, a mente vaga no piloto automático. Na livraria, livros lutam para jogar terra na receita da vovó tradição. Outros, querem de vez pôr-nos - trocadilho bom - arreios.

Todo dia o pacote. Receita e mapa para ser feliz. Se há destino, todo trilho tem desvio. Forçando um pouco o trem muda; senão, quem sabe um tatu quebra a terra logo na emenda da alavanca. Quem anda, aprende o ritmo e as artimanhas dos passos. A palavra tem essência. Mas cresce com sinônimos e novos significados. Nada é o que se diz ser eterno. Até o deserto vira jardim. Não se enganem ao colocar o pacote e ter vida pronta. 

Todo dia o pacote. Receita e mapa para ser feliz. Dicionário para pesquisa. Está lá do jeitinho que deve ser. Não se nasce para questionar. A vida é para seguir. O contrário dá-se o nome de loucura. Está lá, tudo explicado. Talvez, é o que se conhece como segurança. Dá medo investigar. Tentar o diferente, o que fere o dogma. Porque não fazer origami na gravata para ir trabalhar. Não está no dicionário esta arte aplicar. Eis a resposta. E outras, melhor não denunciar.

Todo dia o pacote. Receita e mapa para ser feliz. É a sina. Quem assina?! Por nós, alguém nos diz o ar. Tem gente reescrevendo a história da humanidade com os botões de sua insanidade. Mas será loucura ir contra o que é da natureza. Levantam-se vozes. Tudo da vida humana é criação, não se engane. Receba o pacote. É preciso adaptação. Mas contemple bem. É necessário questionamento. A peleja da vida é essa. Abrir o pacote e colocar no outro pacote, o nosso, aquilo que serve para que a sina, minha sina, seja a que decidir que deve ser. E o que for, não se preocupem, será!

Oliveira Sousa 


MEMÓRIAS


Memórias
Pousaram sob a pele
Vindas de longe
Memórias


Tem rosto meu
Noutras formas
Enxerga-me
Dentro e fora


Pinicou o coração
Quis não deixar
Mas tinha a chave
Podia se hospedar


Oh, anjos do céu
Venham tear, peço
O olhar que me ver


Memórias
Despem-se de mim
Haverão de retornar
Como lã ou pedra

Memórias

Oliveira Sousa

GOTAS DE ALICE


A chuva caía. Era para me levantar. Também me lavar. Vestir o short curto e como nos velhos tempos de criança enfiei-me nos fios de água que desciam com saudades da terra. Saudades tinha eu de mim. Os primeiros fios banharam-me de liberdade e esquecimento. Às vezes, o mundo desaparece quando o prazer nos invade qual furacão. Um instante vira o motivo da vida toda. Seguia a biqueira tentando aprisionar a água e ela descendo indiferente a qualquer obstáculo. Chuva é sinônimo de abundância e infância. Correr pela chuva. Fazer barquinhos. Despedir a alma nas correntezas dos córregos. Enquanto dentro do espírito recolhe-se amuado a contingência, lá fora a chuva espalha e trás tudo à tona. Nada mendiga. Assim conheci uma menina, andante das águas. Blusa curtinha, short apertado. No início da puberdade, meu coração queria saber o amor, aquele dilúvio que nos inunda e rouba a identidade. Meu barco é mais rápido que o seu. Vamos ver. Mas realmente o barco dela já tinha derrubado o meu para o fundo das profundezas do oceano daqueles olhinhos hipnotizadores. Fiz de tudo para que meu barco permanecesse o segundo. Assim é o amor. Vende-se a vitória por um olhar. Arrenda-se a alma por um pelo ouriçado. Alice ganhou. Nasceu o amor em mim. Cresceu dentro do barquinho de Alice. Nunca mais vi Alice. Porém, toda vez que cai a chuva, meu barco se lança ao tapete das águas para perder, pois quem ama tem que perder para que só as peripécias do amor reine como capitão. Então, Alice reaparece sorrindo a vitória de seu barco, acenando ao suspiro que a memória do encontro me arranca. Mistério das águas caídas do céu. 

Oliveira Sousa 

PUÉRPERA




Engraçou-se
A luz veio
Tanta força
Que doeu

Vir era Graça
Respirar aqui
Do lado de fora
Com o ar de dentro

Talvez esqueça
Para ter saudade
Aprender a voltar

Cada brotar humano
Que seja para chorar
De encanto e vida

Luz que não pode apagar
Cada outro é para lutar
A luz que engraçou-se 

A luz veio
Para engraçar
O ar da Graça

Oliveira Sousa



TUDO SE FAZ LUZ



Tudo se faz luz
Deve ser crença
Para que assim seja

Tudo se faz luz
Quando há querer
Nos pés da luta

Tudo se faz luz
Na dor bem viva
Cavando a vida

Tudo se faz luz
Na mente criativa
Colhendo no deserto

Tudo se faz luz
Quando o humano
Assim se crê.

Oliveira Sousa