domingo, 30 de novembro de 2014

GOTAS DE ALICE


A chuva caía. Era para me levantar. Também me lavar. Vestir o short curto e como nos velhos tempos de criança enfiei-me nos fios de água que desciam com saudades da terra. Saudades tinha eu de mim. Os primeiros fios banharam-me de liberdade e esquecimento. Às vezes, o mundo desaparece quando o prazer nos invade qual furacão. Um instante vira o motivo da vida toda. Seguia a biqueira tentando aprisionar a água e ela descendo indiferente a qualquer obstáculo. Chuva é sinônimo de abundância e infância. Correr pela chuva. Fazer barquinhos. Despedir a alma nas correntezas dos córregos. Enquanto dentro do espírito recolhe-se amuado a contingência, lá fora a chuva espalha e trás tudo à tona. Nada mendiga. Assim conheci uma menina, andante das águas. Blusa curtinha, short apertado. No início da puberdade, meu coração queria saber o amor, aquele dilúvio que nos inunda e rouba a identidade. Meu barco é mais rápido que o seu. Vamos ver. Mas realmente o barco dela já tinha derrubado o meu para o fundo das profundezas do oceano daqueles olhinhos hipnotizadores. Fiz de tudo para que meu barco permanecesse o segundo. Assim é o amor. Vende-se a vitória por um olhar. Arrenda-se a alma por um pelo ouriçado. Alice ganhou. Nasceu o amor em mim. Cresceu dentro do barquinho de Alice. Nunca mais vi Alice. Porém, toda vez que cai a chuva, meu barco se lança ao tapete das águas para perder, pois quem ama tem que perder para que só as peripécias do amor reine como capitão. Então, Alice reaparece sorrindo a vitória de seu barco, acenando ao suspiro que a memória do encontro me arranca. Mistério das águas caídas do céu. 

Oliveira Sousa 

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